terça-feira, janeiro 17, 2006

 

O Zé Povinho passou-se

Como já disse, não tenho candidato nestas eleições. Não há um que me encha as medidas (é um problema das minhas medidas e não do elevado mérito de tão distintas criaturas).
Seja como for, a minha falta de empenhamento eleitoral não me impede de ficar embasbacado perante as sondagens e as bocas que se mandam, designadamente nos fóruns da TSF.
Face ao panorama, só posso concluir que os Zés portugas se passaram da cabeça.
Então queixam-se que o governo tem práticas de direita, que é liberal e votam num tipo de direita e liberal para meter o governo na ordem?
Vou dar de barato essa das práticas liberais do governo de Sócrates. Se assim é, então teremos Cavaco e Sócrates a dançarem alegremente e enlevados a valsa do liberalismo versão séc. XXI.
Embora eu reconheça que não existe à esquerda uma alternativa de peso a Cavaco, espanta-me que o mesmo povo que recusou Cavaco há dez anos, pelas razões conhecidas, agora o escolha pelas razões esquecidas.
Vamos a exemplos.
- Se um qualquer secretário de estado deste governo, uma qualquer eminência parda, decidir fazer censura a um escritor (aliás posteriormente agraciado com o prémio Nobel) qual será a posição de Cavaco? A mesma que teve na altura? Isto é: nada?
- Se este governo reprimir com uso excessivo da força uma qualquer manifestação popular, manterá o silêncio de então face a acontecimentos como os da Marinha Grande?
- E se voltarmos a ter os abusos policiais intoleráveis mesmo numa ditadura, considerará, como fez, que era tudo no exercício das suas funções?
- E se este governo privilegiar o transporte individual em detrimento do transporte colectivo, num erro estratégico que estamos e iremos pagar? Dará o dito por não dito e repreenderá o governo?
- Admitamos que, antes das próximas eleições legislativas, este governo pagava vultuosas quantias aos empreiteiros para acabarem as obras a tempo de serem inauguradas em campanha, gritaria aos críticos: deixem-nos trabalhar?
- E imaginemos que, num delírio súbito, Tribunal de Contas e Tribunal Constitucional começavam a cortar as vasas a este governo. Diria publicamente estarmos perante decisões de forças de bloqueio?
Aos apoiantes deste governo resta uma consolação: Cavaco Silva não tem moral (embora possa ter o descaramento) para criticar qualquer actuação deste governo. Se fosse primeiro-ministro faria exactamente o mesmo. Com uma diferença: não existiria rede de apoio social.
Ridículo dos ridículos: vamos pela primeira vez na história de Portugal eleger um ministro das Finanças que, por um golpe palaciano, por acaso, vai ocupar o lugar de Presidente da República.
Ou será que as pessoas vão votar em Cavaco para ele exercer um poder que constitucionalmente não tem?
Quer os seus eleitores queiram quer não, o sucesso de Cavaco como presidente vai depender do sucesso de Sócrates como primeiro-ministro. Se este falhar, Cavaco não será reeleito. Se tiver sucesso, Cavaco chamará a si os louros do resultado.
Triste país que tem a sorte que escolhe...

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