quarta-feira, janeiro 04, 2006

 

O meu manifesto - episódio 1

Pela primeira vez na vida não tenho um candidato à Presidência nem faço campanha. Que isto fique bem explícito para que não se leiam segundas intenções nas minhas palavras.
A razão é simples e parece-me comum a uma boa parte dos portugueses.
Desde logo, porque não surgiu um peso pesado na esquerda, com uma atitude nova, capaz de conjugar em simultâneo a defesa do social com as realidades do momento que vivemos.
Os candidatos da esquerda, no meu entender, podem arrumar-se do seguinte modo.
Louçã e Jerónimo surgem como agentes de consolidação partidária, aproveitando o tempo de antena quer para fazerem passar a sua mensagem (o que já não é pouco) quer para consolidarem o apoio eleitoral.
Soares e Alegre são uma espécie de cavaleiros andantes, estilo D. Quixote lusitano, perdidos no tempo, esquecidos da necessidade urgente de adaptar a esquerda a uma nova linguagem e a um enquadramento contemporâneo. Prometem mais do mesmo e, ainda que esse mesmo possa, em teoria, ser bom, na prática deu os resultados que estão à vista.
Resta Cavaco Silva como representante da direita, procurando disfarçar esse perfilamento com um discurso acético, feito por medida a partir de um estudo de mercado.
Só votaria Cavaco Silva se este estivesse em confronto, por exemplo, com Paulo Portas.
Mas porque não votar Cavaco, se ele até se apresenta como o defensor dos desempregados, estimulador (a pilhas?) do desenvolvimento, grande educador da classe governativa?
Porque tenho do Presidente da República uma ideia, corroborada pela Constituição, de uma figura que é o garante da democraticidade da vida nacional, da legalidade democrática dos actos do Estado e seus agentes, mas também de alguém com genuínas preocupações sociais, com uma perspectiva europeia e não uma visão americanizada do modelo de sociedade.
Não reconheço em Cavaco essas qualidades. O seu comportamento passado não permite entrevê-las.
Qual será a atitude de Cavaco se um qualquer governo entrar por episódios como os da Ponte 25 de Abril do seu tempo, ou da Marinha Grande? Como classificará os desmandos policiais de então, mais próximos de agentes da América latina ou dos antigos países de leste?
E se um governo decidir aplicar os fundos comunitários predominantemente no betão, esquecendo-se da formação das pessoas e dos equipamentos sociais?
Ou se esbanjar milhões em compensações para se acabarem obras à pressa em períodos eleitorais?
Só pode calar-se por não ter moral para criticar aos outros aquilo que foram os seus comportamentos.
Nesta perspectiva, é-me indiferente que Cavaco seja de direita ou de esquerda: o seu grande defeito, a sua grande incapacidade, é a falta de espírito democrático.
E ontem ficámos a saber que, para além de Aníbal Cavaco Silva, também se chama Guterres, pois afirma ter sido ele a lançar a construção do Alqueva.
Hoje, provavelmente, ficaremos a saber que o sol nasceu de manhã como fruto de um email da sua autoria.
(continua, porque matéria não falta)

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