sexta-feira, janeiro 20, 2006

 

Descanse em paz

Devagarinho, muito devagarinho, fomos matando os sonhos daquilo que poderia ser um Portugal diferente.
Diferente do que era até 1974, mas também diferente dos outros.
Parece que, então, tínhamos um atraso de trinta anos em relação aos países da Europa central. Parece, por isso, que teria sido fácil saber quais tinham sido os erros dos outros e não os repetir. Adoptar as boas receitas e beneficiar de serem os outros a desbravarem o terreno: era só seguir os trilhos.
Passados estes anos, descubro cada vez mais semelhanças entre o nosso país e aqueles que passaram por processos de colonização. Temos uma classe dominante. Não, não são os políticos, são aqueles que se aproveitam da sua corruptibilidade, da sua passividade e omissão de medidas concretas, para enriquecerem à custa de um sistema que padece de idiotia.
É nesta estrutura social tipo pós-colonialista, que radica o fosso que se acentua entre ricos e pobres, numa paisagem social cada vez mais tipo América latina.
Tudo isto é o produto de políticos que actuam no sentido da conservação do tacho, não vá acontecer que tenham de arranjar emprego, mas também de uma classe política pouco ilustrada, portadora de miopia intelectual e vivencial para quem o mundo se confina a Lisboa e ao Algarve.
E, em consequência, governaram para as eleições, sem projectos a longo prazo, sem honestidade perante quem neles depositou a sua vida e o seu futuro e, no limite, lhes paga os ordenados.
Juntemos a isto a ganância e oportunismo apadrinhados pelo sistema, um edifício fiscal comummente conhecido por obrigar a pagar apenas aqueles que têm menos e teremos o caldeirão que nos conduziu ao que somos.
Vamos agora passar a ter um Presidente da República sem preocupações políticas, sem uma sólida noção do que seja a verticalidade nacional, que alardeava a sua qualidade de bom aluno da então CEE, quando liquidava a agricultura portuguesa a troco de seiscentos milhões de contos, alienava o nosso direito no campo das pescas entregando-o aos espanhóis e em simultâneo distribuía subsídios para arrancar oliveiras, depois para as plantar outra vez, engordando empresários e industriais que faziam falsas formações e actuando sobre eles com um controle financeiro da aplicação dos fundos e não da sua eficiência no campo dos resultados.
Poderíamos ter sido relativamente originais, criando solidamente riqueza para depois a podermos distribuir, em vez de andarmos a distribuir lucros futuros de duvidosa existência.
Em Inglaterra e em França mantém-se os pequenos produtores no campo agrícola e pecuário. Não são grandes empresas como aquela inaugurada por Cavaco em Grândola, cujo investidor acabou por fugir com os subsídios e dívidas à CGD, são pessoas que através de pequenas explorações criam produtos de alta qualidade, em pequena escala e assim mantêm a sua independência evitando situações de pobreza ou recurso à segurança social.
Mas não, Cavaco quis tudo em grande, tudo estilo América, como agora: diz querer transformar Portugal numa Califórnia!!!
O ideal de Cavaco não são os países nórdicos, é a América de Bush, da selvajaria económica.
Como qualquer bom patego que se preze, imitamos aqueles que nos deslumbram, não pelas virtudes mas pelo aparato.
Domingo, a oportunidade de sermos um país diferente pela positiva vai morrer mais um bocadinho, até mais não sermos do que uma imitação barata, reles como são todas as imitações, de uma América de pelintras, convencidos que a riqueza sólida está no aspecto e não no conteúdo.
Ide, votai em Cavaco, que eu sou dos que beneficiarei com isso, mas tenho a consciência de que essa não é a melhor receita para os portugueses.
Por mim, ainda dormirei sobre o assunto: no fundo, ainda faltam duas noites…

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