quarta-feira, julho 13, 2005

 

A causa das coisas

Da morte industrial ao pato bravo e sua amante aloirada.
No esforço, eventualmente inútil, de entender os porquês da nossa decadência económica, dei comigo a pensar que quando era puto, muito antes do 25 de Abril, na minha terra havia uma fábrica em cada canto. Chamavam-lhe, nos manuais de Geografia de então, a Manchester portuguesa.
Estou a falar da Covilhã, para quem já tenha estudado pelos manuais da desertificação.
O barulho dos teares era permanente e ouvia-se bem longe.
Era tal o volume de gente a deslocar-se no trabalho por turnos que já na década de 50 existiam transportes públicos urbanos, o que para uma cidade do interior era obra.
Hoje, quem deambular pela parte velha da cidade depara a cada esquina com uma ruína industrial, à espera que a especulação imobiliária a faça desaparecer. Sobreviveram duas ou três, das dezenas que existiam.
As que morreram foram o produto da falta de inovação, da crença no imobilismo e perenidade do Estado Novo: foram ultrapassadas e morreram de exaustão ao longo das décadas de 70 e 80.
Mal saíamos da cidade encontrávamos os campos cultivados: todos. E via-se gente a trabalhar.
Vive-se hoje indubitavelmente muito melhor do que há trinta anos.
Acontece porém que essa melhoria de vida varia na proporção inversa da produção industrial e agrícola, ou seja: gastamos mais mas produzimos menos.
Creio que o cenário que descrevi relativamente ao caso da minha terra se repete um pouco por todo o lado. Em Coimbra, por exemplo, restam hoje duas ou três das grandes fábricas que aqui existiam.
Os portugueses hoje vivem do Estado ou da comercialização.
No primeiro caso apenas temos uma “reciclagem” do dinheiro que entregamos ao Estado.
No segundo, limitamo-nos a vender os produtos que compramos ao estrangeiro. Exagero? Não. Tomemos como exemplo o penúltimo folheto publicitário da Makro: em onze produtos de “talho”, dois eram portugueses e o resto era da Irlanda, Argentina e até da Nova Zelândia.
A razão que leva a que produzir em Portugal não compense escapa-me completamente. Nem me falem em custos de produção, porque trazer carne da Nova Zelândia (antípodas!!!) para aqui, queima qualquer raciocínio económico.
Parece-me que as razões se devem buscar num hábito que se criou no campo do lucro fácil, imediato, sem grande trabalho ou riscos de investimento e, se possível, no âmbito da trafulhice e da fuga aos impostos.
O caso da construção civil é flagrante: a explosão de patos bravos que construíram por tudo quanto é sítio apartamentos sem isolamento acústico ou térmico, com divisões onde só cabe meia mobília, com garagens onde só cabe um carro citadino e que só pode abrir uma porta, com áreas envolventes que não são terminadas, embora estivessem no projecto, que enriqueceram com a cumplicidade dos compradores fugindo à sisa e declarando valores de venda fictícios, é bem o exemplo de uma forma de vida nacional, em que os sucessivos governos e administrações fiscais sabem o que se passa e nada fazem. E tudo isso foi transformado em vivendas de gosto duvidoso, jipes e Mercedes, à mistura com umas jantaradas com o pessoal lá da Câmara.
Depois, quando se lhes exige responsabilidades, descobre-se que a empresa de construções afinal não tem capital nem bens, que tudo foi feito por subcontratação e que, quando muito, podemos executar uma secretária, um computador velho ou a amante do empreiteiro pato bravo (péssimo negócio, que está habituada a luxos só suportáveis por quem não paga impostos).
E alegremente vamos gastando aquilo que não produzimos e esperando que um qualquer governo descubra o caminho marítimo para uma qualquer Índia, para enfim podermos voltar a viver à sombra da bananeira ou podermos abanar a árvore das patacas.
Desculpem a franqueza e a linguagem: merda de país que tal gente tem!!!

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