quarta-feira, março 30, 2005

 

Condução à portuguesa - 1

Nota: Este texto foi escrito já há alguns dias. Entretanto tenho notado maior cumprimento das regras, designadamente no que respeita a velocidade e uso de telemovel. Vamos ver se não foi apenas coincidência ou fenómeno temporário de reacção às novas regras.

Meus amigos, deixemo-nos de retórica: os portugueses conduzem como se comportam na vida.
Nisto, como em tudo, há clivagens: há gente civilizada e há os outros. Um povo que atira lixo para o chão como se de regra essencial se tratasse, que transforma qualquer refeição de fim de semana num restaurante num arraial de barulho, que vai às casas de banho públicas e não puxa o autoclismo, que põe a televisão e a música aos berros sem se incomodar com os vizinhos, que assassina o português de cada vez que fala, que nos hipermercados deixa os carros das compras de qualquer maneira sem se importar com os outros, querem que este povo sem civismo na sua vivência do dia a dia tenha civismo a conduzir? Estamos a brincar com a realidade.
Dir-me-ão que os espanhóis também falam alto, é verdade. Mas têm uma polícia que não lhes dá tréguas na estrada, multas elevadíssimas e pagas na hora. Que se colocam em locais onde é perigoso cometer infracções e não numa qualquer recta do Alentejo lá do sítio, onde passa um carro por hora, a medirem a velocidade, esquecendo aqueles cruzamentos onde não parar no Stop é realmente perigoso e onde há sinistralidade elevada.
Por isso, já que não é possível dar-lhes educação de repente, incutir-lhes civismo por intravenosa, nada como atemorizá-los com multas pesadas, sobretudo se a fiscalização for feita com inteligência (isto pode ser uma contradição nos termos, mas vá…).
Há situações na condução que nem o melhor e mais prudente condutor do mundo pode prevenir e evitar. Refiro-me ao rebentamento de um pneu, ao encontro inesperado com uma mancha de óleo numa curva, etc.
Certo é, também, que não existe um cuidado sistemático de quem superintende as vias no sentido de prevenir acidentes, criando as devidas medidas de alerta aos condutores.
Veja-se o exemplo das intervenções na via pública efectuadas por empreitada. Neste campo, já vi de tudo: desde um aviso escrito num cartão poisado no chão dizendo “Circule com percalção" (sic), sinais de aviso de obstáculo na via da esquerda e o obstáculo ser exactamente na via da direita, até trabalhadores que colocam o sinal de obras mesmo em cima deles em local sem visibilidade. E não devemos esquecer os célebres “sinais sonoros”: barris de alcatrão que, ocupando a via de marcha, se destinam a sinalizar um obstáculo, constituindo eles mesmos um obstáculo não sinalizado e ideal para em condução nocturna descobrirmos a sua existência de ouvido, ou seja, depois de batermos.
Mas os condutores, na sua generalidade, estão em consonância com as condições que têm.
A primeira coisa que eu disse à minha filha quando começou a conduzir foi: se vires um condutor a abrandar, mesmo sem pisca, é sinal que vai virar.
De facto os portugueses encaram o pisca como se tivessem de pagar a energia gasta à EDP, por isso poupam evitando usá-lo.
Eu não conheço ninguém (e conheço muita gente) que tenha tido um acidente grave por ter feito uma ultrapassagem sem visibilidade, ou por não ter parado num stop daqueles em que é imprescindível parar por razões de segurança (há-os que eram perfeitamente evitáveis e não têm qualquer sentido) ou por andar a velocidades alucinantes em locais que não têm condições para isso.
Pelos vistos não conheço as pessoas certas.
Eu que, confesso, ando sempre em excesso de velocidade e nunca tive um acidente, já fui ultrapassado dentro da cidade a mais de 90 km/h, em avenidas com passadeiras. Ainda no Sábado vinha eu numa rua com dois sentidos na casa dos 70 e fui ultrapassado por um desses veículos de dois lugares – e estava a chover.
Mas bonito mesmo é ser-se ultrapassado por um veículo em larguíssimo excesso de velocidade que uns metros à frente para repentinamente em frente a um café. E nada como aqueles enxonantes que empatam o trânsito e que, quando vêm cair o amarelo, aceleram a fundo para não terem de parar no semáforo passando já no vermelho, para imediatamente voltarem ao enxonamento. Andam as ruas e estradas cheias de chicos espertos. É pena é serem meios analfabetos.
Há meses atrás ia eu à vontade a uns 30 a mais do que o limite da Nacional 1 e vejo no retrovisor uma coisa preta e lustrosa que se aproximava vertiginosamente. Deixei-o passar e fui atrás dele para ver até que ponto ia o exagero. Cheguei a ir a 170 atrás dele. Não levava qualquer sinalização de emergência, nem sequer os faróis acesos. Era um trintão orgulhoso do seu emblema alemão.
Podem-me dizer que isto é o discurso da arrogância, do preconceito de classe, da mania das superioridades. Eu diria que é o discurso de quem conhece outros povos que não vêem o carro como uma arma de afirmação pessoal ou um brinquedo.
Mas que também os conhece piores. Tudo depende de a quem nos queremos assemelhar: a turcos e marroquinos ou aos europeus?
Mas o grande argumento contra o novo código é este: a gente não tem dinheiro para pagar as multas (entrevista de rua na RTP). Quem não tem dinheiro não tem vícios: se cumprirem não são multados.


|

<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?