quinta-feira, fevereiro 10, 2005

 

A fábula do bloco encantado

Era uma vez um pai que tinha quatro filhos.
Como era um tipo irresponsável, apesar de ser o único sustento da família, gastava mais de metade do dinheiro que ganhava (que já de si era pouco) em copos, roupas caras e disparates perfeitamente dispensáveis, entregando o resto aos filhos para que se governassem.
Como era bruto que nem portas, não admitia que ninguém questionasse o seu estilo de vida e as consequências para os esfomeados filhos. Muito menos admitiria que os próprios filhos levantassem essas questões.
Assim sendo, os filhos discutiam entre si o que fazer para resolver o problema e deixarem de passar fome.
Um deles, deslumbrado pelo estilo de vida do pai, e querendo seguir-lhe as pisadas, dizia que não havia problema nenhum, que os manos eram uns más-línguas e que não compreendiam a subtileza da orientação de vida do pai. Este mano, puto de mau carácter, surripiava comida quando podia e, à custa de muita graxa, lá ia sacando mais uns cobres ao pai. Mas quem o ouvisse diria que era o maior dos desgraçados, vítima da gula e má vontade dos irmãos.
Outro, tirava à barriga para comprar jogos de computador, jogos de guerra, apoiando-se nas tão propaladas quanto falsas convicções religiosas, para embalar os manos na ideia de que era tudo em nome da firmeza de convicções. Às escondidas ia dando uma ajudita às manobras do mano gastador.
Um terceiro mano, entretinha-se em diagnósticos, prometia grandes mudanças, sabendo porém, no mais fundo do seu íntimo, que os manos lhe fariam tal guerra que as mudanças seriam impraticáveis. Que tudo iria ficar na mesma.
O quarto mano, moço dotado de um sorriso simpático, de uma jovialidade cativante, enumerava em permanência os problemas, berrava a plenos pulmões as desgraças da família, e apresentava soluções e medidas que convenciam todos os que o ouviam.
Sem tocar nas despesas do pai, propunha que a casa passasse a ter ar condicionado porque no Verão não se conseguia dormir, aquecimento central para evitar as tão desagradáveis constipações, um automóvel para cada um para aumentar a sua produtividade, alimentação completa e variada sem corantes nem conservantes e, luxo dos luxos, um seguro de saúde para todos.
É certo que nunca ninguém o ouviu dizer onde ia buscar o dinheiro para tão agradáveis soluções nem alguém o ouviu sequer sugerir que, numa atitude de coragem e coerência, – que o modo de falar sugeria – confrontasse o pai com as suas responsabilidades e o obrigasse a conformar as suas despesas com as normas do bom senso familiar.
Certo de que nunca daria esse passo definitivo, comprazia-se em dizer aquilo que todos queriam ouvir. E ficavam todos felizes: esfomeados, mas felizes.
Este mano tem um nome: chama-se Francisco Louçã.

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