segunda-feira, dezembro 13, 2004

 

O Filho da P. do 5º-A (2º Episódio)

O Filho da P. do 5º-A anda, por estes dias, um farrapo humano.
Desgrenhado, barba crescida e olheirento.
Dão com ele contemplativo, meditabundo mesmo, a olhar pela janela enquanto coça a cabeça.
Não dorme. E suspira.
Meteu-se-lhe na cabeça uma confusão que não consegue deslindar.
E não pode ir ao café do bairro sem uma opinião formada. Ele que granjeou fama de sempre opinar em relação a todos os assuntos…
- Então mas afinal como é? Pergunta de si para si o Filho da P. do 5º-A.
- O Sampaio não despediu o Santana? E vai o tipo, despede-se? Mas como é que um indivíduo despedido se pode despedir?
- Então o tipo não tinha que lá ficar até entrar um substituto?
- Então e fica na mesma?
Entretanto, com a confusão, já ia sair para o emprego com o fato de treino que costuma usar para ir ao Continente fazer compras.
Que havia de ser bonito, ele que tem perante os colegas o estatuto de quase intelectual, aparecer ali armado em desportista de supermercado.
No meio dos abanões, nem galou as garinas do autocarro. Finalmente, lá inventou, em desespero de causa, um destempero das entranhas, por causa de uma mariscada (também inventada) que uns familiares da mulher – gente importante, diga-se – lhe ofereceram no fim-de-semana.
Ficava tudo arrumado.
- Hoje nem me digam nada que estou impróprio para consumo. Nem quero ouvir falar de políticas, que isto é tudo uma pouca-vergonha. Já basta estar como estou.
Entretanto, a mulher lá em casa oscila entre o preocupado e o esperançoso, que não é normal o homem passar três dias sem a obrigar àquele desempenho do ai, ai que bom, nos cinco minutos de cumprimento dos deveres conjugais. Mais a mais sendo fim-de-semana...

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