terça-feira, novembro 30, 2004

 

As Portas do Inferno

Ora aí vai um texto polémico, longo e sério.
Nem nos tempos deste blog no Sapo nem aqui, alguma vez me pronunciei sobre o caso Casa Pia.
Em primeiro lugar, porque considero que se falava demasiado nos trâmites processuais do processo, transformando um caso sério num arraial jornalístico.
Em segundo lugar porque, desde o princípio, o caso, na sua globalidade, sempre me levantou grandes dúvidas.
Deixo desde já bem frisado, e para que não restem dúvidas, que considero a pedofilia um crime horrendo, como o são todos os que são praticados por aproveitamento de fragilidade física ou etária, dependência económica, hierárquica ou qualquer outra.
Certo é que, no entanto, desde o início este caso me cheirou a esturro. Sempre achei que havia aspectos que me pareciam, então como agora, mal contados.
Algumas interrogações continuam a assaltar-me o espírito e fazem-me duvidar quer do rigor e amplitude da investigação quer dos seus objectivos.
Não vou aqui repetir em detalhes os acidentes do caso, desde a sua denúncia pública, num meritório trabalho de jornalismo, até ao início do julgamento.
Também não pretendo convencer ninguém da bondade das minhas suspeitas.
Apenas pretendo aqui deixar, antes do julgamento começar, a minha previsão de que a procissão ainda vai no adro e que, provavelmente, ainda estão para saltar muitas surpresas.
A primeira questão que me coloca fortes interrogações prende-se com o facto de, em décadas de violações continuadas, apenas aparecerem acusados estes réus. Creio que ninguém acreditará que foram só estes.
Esta questão arrasta consigo outra: a forte turbulência que se gerou em torno do processo, os acidentes de percurso, designadamente as fugas de informação – muitas das quais falsas – a forma como se seleccionaram os meios de prova, a tentativa de transformar o processo num caso político, tudo isto aparenta uma tentativa de levantar poeira para ocultar, se não o essencial, pelo menos parte do problema e dos seus protagonistas.
Esta turbulência assenta que nem uma luva numa manobra de encobrimento de gente de maior peso que aquela que se está a sentar no banco dos réus.
E, em certos momentos da investigação, quase dava a ideia de se estar a querer transformar o caso numa manobra de guerra política.
E isto, sem que me pronuncie acerca da culpa ou inocência dos agora julgados. O tribunal dirá, se conseguir, se não surgirem mais episódios perturbadores do bom funcionamento da Justiça a darem razão às minhas suspeitas.
A segunda questão prende-se com a existência de meninas na Casa Pia.
Existiam e existem. E alguém honestamente acredita que a pedofilia incidia apenas sobre rapazes? Que, por um fenómeno raro, os pedófilos portugueses são todos homossexuais?
No entanto, nunca se ouviu falar disso. Num processo tão “transparentemente publicitado” como este, as investigações do problema no feminino seriam divulgadas.
Mas o silêncio é total: desde as mais altas patentes da Casa Pia, aos agentes da Justiça, passando pelos psicólogos, reina o silêncio. Um silêncio que eu estranho.
Como vêem, não tenho ideias feitas em relação a este caso, que não seja a certeza da baixeza que lhe subjaz.
Mas tenho uma quase certeza: há aqui histórias que estão mal contadas.
Resta-me a esperança que, ao longo do julgamento, se abram de facto as portas do Inferno…

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